15 abril 2008

do belo

o que dá um chazinho
"E em breve, maquinalmente, esmagado pelo dia morno e pela perspectiva de uma triste manhã, eu levava aos lábios uma colherada de chá onde tinha deixado amolecer um pedaço de madalena. Mas o instante em que o golo polvilhado de migalhas de bolo tocou o meu palato, estremeci, atento ao que de extraordinário se passava em mim. Tinha-me invadido um prazer delicioso, isolado, sem noção da sua causa. Tinha, no mesmo instante, tornado indiferentes as vicissitudes da vida, inofensivos os seus desastres, ilusória a sua brevidade (...), preenchendo-me de uma essência preciosa (...). De onde vinha essa alegria pujante? Sentia que estava ligado ao gosto do chá e do bolo, mas que o ultrapassava infinitamente, não devia ser da mesma natureza. De onde vinha ela? O que significava? Onde aprendê-la? Bebo um segundo golo de chá, onde não encontro nada mais que no primeiro, um terceiro que me traz um pouco mais que o segundo. É altura de parar, a virtude da beberagem parece diminuir. É claro que a verdade que procuro não está nela, mas em mim."

M.Proust, Du côté de chez Swan, aqui citado por via da leitura de R.Vigouroux, A Fábrica do Belo.

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