Joenve Lopes era carteiro. A dedicação ao trabalho valia-lhe, na zona onde fazia distribuição de correio e de simpatia, o carinho das pessoas com quem se cruzava. Lopes dispensava cumprimentos melodiosos a torto e a direito, conforme avançava de casa em casa.
Não eram só as pessoas quem gostava do Lopes. Os animais, em particular os cães, nutriam por ele um carinho especial. Mal pressentiam a mão do Lopes aproximar-se da ranhura do portão, atiravam-se a ele com toda a força e ladravam-lhe desmedidamente.
- Olá Farrusco, porque é que me ladras tanto? Parece que não me conheces!
- Cala-te Bobi. Cala-te. Só sou eu.
- Então, Pantufa? Não confias em ninguém e vês-me todos os dias.
- Rex, cala-te, anda cá, pá, que eu digo-te como é.
- Não passas sem uma boa resmungadela, não é? Tu queres é festas.
- Olá Conchita, não me conheces, é?
Não, não, o não do Lopes. No seu local de trabalho, que por acaso era a rua, poucos se apercebiam do seu fraco. Encoberto pela melodiosa coversa, o não passava despercebido. Isto é, talvez o Pantufa soubesse, mas como era cão, não contava a ninguém.
Joenve Lopes tinha um velho hábito do qual não se consegui livrar: todas as suas frases começavam com um “não”; se não começavam, o não andava lá no meio. Dizia ele que era apenas uma expressão, que a negação não fazia parte do seu carácter, que era um vício como outro qualquer. Felisberto da Concertina conhecia bem esse vício e apesar de o conhecer havia anos, irritava-se de cada vez que o ouvia.
- Então Lopes, a gasolina vai subir outra vez.
- Não! Deves estar a brincar!
- Raios, Lopes, se eu te digo que vai, é porque vai.
- Não. Não era isso que eu queria dizer.
- Não querias mas disseste.
(continuará)
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