orque a boca sabe a fado
Em tempos, havia uma cançoneta foleira, do Nelson Ned, que perguntava o que é que você vai fazer domingo à tarde? A mim perguntaram-me isso e aderi a uma matiné de fados no coração de Lisboa - quatro horas, Palácio dos Távoras, sede do Grupo Desportivo da Mouraria. Chamam-lhe a Catedral do Fado e dizem que por ali passaram (hoje) grandes nomes do fado. Esta cultura castiça progride sem grandes alaridos, longe dos parques da bela vista e dos coliseus; vozes sentidas e enérgicas duma geração que eu pensava não ligar pêva ao fado, divulgadas por três remotas rádios locais, que conhecem os nomes das vozes e se esforçam por dar a vez.
Não foi só o fado fascinante, mas o espaço (imodesta e escandalosamente maltratado) mas que tresandava a genuíno bairrismo e tradição. Paredes de azulejos do século XVIII encimadas por barras de molduras foleiras e desenhos com pregões populares. Festões de natal que engalanam os salões todo o ano. Tectos de madeira policromada perfurados por suportes de lâmpadas florescentes. A cozinha, revestida de azulejo de cerâmica azul e branca, mostrava um nicho feito exactamente à medida da máquina de café Zanussi. As mesas acotovelavam-se num salão criminosamente revestido de betão, que outrora foi de tábua corrida.
Sentamo-nos na mesa da Alzira, de Alfama. Sim, as pessoas são apelidadas de acordo com o bairro de onde vêm. Eu seria a Janota, da Parede, mas ninguém me reconhecia, nem mesmo eu. Passemos então à reportagem e vejamos um caso prático: onde estou?
"É lucidez desatino/De ler no próprio destino/Sem poder mudar-lhe a sorte/Somos dois gritos calados/Dois fados desencontrados/Dois amantes desunidos/Nesta luta, esta agonia/Canto e choro de alegria/Sou feliz e desgraçada/Que sina a tua/meu peito/Que nunca estás satisfeito/Que dás tudo/E não tens nada/Cada beijo nos conquista porque a boca sabe a Fado"
1 comentário:
Estás com um ar muito sério...
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