O meu cão visto do meu baloiço
Aqui deste lugar onde me encontro e para onde venho sempre que quero pensar, o dia parece mais bonito do que está na realidade; as nuvens que acabam de encobrir o sol dão o seu contributo à passagem de uma brisa fresquinha que torna ainda mais agradável o oscilar do baloiço.
Cumpriu-se o ritual de domingo, mais uma vez, do modo que tanto prezo: o café acompanhado pelo jornal da véspera, cujo atraso de um dia não chega para me desinteressar das notícias. Em intervalos regulares, o Dick expressa a sua presença, soltando um grooof para me lembrar o momento da carícia, disfarçando esse objectivo num a demonstração de cão de (alguma) guarda. Essa nunca foi a sua função, apesar do seu porte excepcional; mimado por toda a família, tornou-se num cão seguro de si, mas que se derrete a qualquer minúscula manifestação de simpatia. Acredito que saltaria de alegria se eventualmente um ladrão se atrevesse a saltar o muro. Passo-lhe a mão na cabeça e ele retribui com uma delicada lambidela na mão, depois no pulso, depois no braço e em breve estou toda lambuzada por aquela língua terna, enorme e delicadamente áspera. Dick é como uma sombra que me segue para todo o lado. Neste momento, dá mais uma volta sobre si próprio e enrosca-se nos meus pés. Dar‑lhe‑ão segurança, presumo.
Este amigo é diferente de todos os outros – está sempre presente, quer eu precise dele quer sinta que a sua presença me incomoda: ele não arreda pé. Aprendi, por isso, a tê-lo como meu confessor surdo-mudo – qualidade que nenhum outro amigo possui, já que essas características num humano seriam tidas como anormalidade. Posso enumerar alguns amigos surdos e outra meia dúzia de amigos mudos. Uns e outros fazem-me crer que nenhum detém todas as virtudes do Dick, para além de acharem esta nossa relação muito estranha.
Não me sentarei neste lugar por muito mais tempo, o que significa que não me balançarei deste modo outra vez. Não haverá muitos domingos assim, haverá outros, talvez melhores, talvez mais oscilantes, talvez outras magias encerrem. Assim como houve alguns domingos dos quais guardo boas recordações, haverá outros à frente.
Junho2008
2 comentários:
esta cronologia baralhou me??!!!bzzz
fui buscar ao baú :)
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