minha rua sossegadaHabituei-me a dizer que moro num sítio sossegado, pacato e antigo, assim como os que eu gosto. É um dos meus objectivos essenciais quanto à escolha de lugares: estar perto da confusão mas suficientemente longe para não dar por ela. Esta é, aliás, uma característica que me agrada no bulício da cidade: gosto de fugir dela, mas quando precisar, sei que estará por ali.
Mas como em tudo na vida, nem tudo o que parece, é. Basta termos uma nova bitola para refazermos opiniões. A minha nova entidade reguladora no que toca a sons, é a Lolita. Partindo do princípio que o meu circulo de leitores sabe do que falo, por esta altura já lhe traçaram o perfil traumatizado, sabe-se lá porquê ou por quem. Atrevo-me a afirmar que grande parte da sua vida é condicionada pelos sons, mais até do que pelos cheiros, como seria natural em qualquer outro rafeiro canídeo. As idas à rua na hora prevista para as suas necessidades são uma descoberta ao mesmo tempo que me provocam intensas ondas nervosas, daquelas em que só me apetece praguejar contra os condutores que alegremente aceleram nas ruas por onde andamos. Eu até pensava que havia poucos carros, até porque a rua não tem saída, os acessos difíceis (há quem se queixe veementemente de ter que fazer marcha atrás...) e os lugares para estacionar escasseiam. Mas não é bem assim: graças à Lolita, descobri que não há rua mais movimentada que esta, de tal modo que se torna impossível defecar numa qualquer esquina aparentemente calma. Uma porta bate, uma ignição põe um carro a trabalhar, a pressa faz pesar no pedal...: tudo isso são motivos de verdadeiro pânico. Nova voltinha, nova festinha até calmar de novo. Um transeunte espirra: ela salta. Um cão ladra, ela agacha-se e corre para casa, que é onde não há barulho. Isto é...um dia destes tentar ver sossegada o Blade Runner e olhei para a sua cabecita, que mais parecia um farol, rodando para um lado e para o outro, em nítido sofrimento. Tirei o som à televi
são, o filme morreu e desisti.Há algum tempo que venho a descobrir que o seu pior pesadelo é o tinóni das ambulâncias. A infeliz toma-se de um pânico tal que a faz entumecer o tronco, uiva desalmadamente e o coração dispara. A última prova desse pânico tive-a um dia por acidente. Ela própria ligou a televisão ao saltar para cima do comando; estávamos a ver O Preço Certo sem sabermos; e aí começa ela, num pranto de cortar o coração ao qual acudi sem perceber. Descobri o problema: a sinalização acusticoluminosa de um ridículo carrinho que se passeava pelo ecrã...
1 comentário:
mas qd vai a casa das tias escolhe 1 local quentinho e sossega...zzzz
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