08 dezembro 2008

a casa das coisas verdes

Há algum tempo que me intrigam os acontecimentos que se desenrolam numa casa aqui ao lado. Não tem sido isso que me tem impedido de escrever, apenas me faz pensar no que vou ali ver hoje, ao virar a esquina. Sempre achei estranha a profusa vegetação e um biombo de madeira profusamente trabalhado que preenchem as varandas, com a nítida única finalidade de tapar a vista para as janelas. Que ali mora gente, não tenho dúvidas, porque aquilo é um corropio de entradas e saídas. Um táxi que vem todas as noites e um taxista que fica ao portão a falar com uma rapariga vestida de branco e máscara descartável que me faz desconfiar que é enfermeira. Uma rapariga de caracóis exuberantes que tresanda a tabaco e que sai de madrugada a bater o tacão pela calçada. Será a enfermeira? Atende o telemóvel que vai tocando estridentemente Kiss Me, Oh Kiss Me, do David Fonseca, irritada; vai gritando que está a ir, como se alguém que a visse tivesse dúvida. Os dois velhinhos que ali moram entram e saiem com os seus grandes carros, esperando cuidadosamente que os portões de fechem. O jardineiro de jardineiras verdes arruma e desarruma os carros e pouco mais que isso fará. Um cão rouco, talvez velhinho aparece de vez em quando a rosnar ao portão. O chilrear de passarinhos é o único ruído de vida feliz que ali há, mas tenho pensado se não será uma gravação própria de uma cascata de água que corre discretamete.
Para além dos passarinhos gravados, do cão rouco, dos velhinhos e da rapariga dos caracóis, existe uma senhora, talvez doente, que saiu um dia de carro, muito amparada, com a cara muito empoada para mal esconder o ar sofrido. Um dia destes, noite alta, fui surpreendida por uns gemidos de dor que vinham da única janela semi-aberta. Eram da senhora, não da suposta enfermeira. Agora não vejo vivalma na casa - ontem chegou o 112; os bombeiros atrapalhados para trsnportar uma maca por entre a luxuriosa vegetação e a senhora a gemer a cada passo dos homens. Tive pena dela. Tal como tiveram, a julgar pelo interesse que demonstraram, duas manas que isam a passar na rua e que olhavam, esperando ver quaquer coisa que levassem para contar. Seguiram o seu caminho mas tendo pensado melhor, voltaram para trás. Eram da mesma altura, da mesma idade, do mesmo pintado loiro do cabelo. Deixei-as a olhar o triste espectáculo. Um bombeiro gritava Ó Zé queres ajuda? Hoje não há movimentos nem estranhos nem normais por detrás das coisas verdes das varandas.

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