30 maio 2012

s minhas aflições

Já por diversas vezes falei do meu vizinho do segundo andar - aquele que estende a roupa por ordem de tamanhos e cores, que se surpreende com o meu material de bricolage, que estaciona sempre na mesma posição, preparado para sair facilmente pela manhã. O carro é, aliás, um dos seus motivos de orgulho; nota-se no preto que brilha todos os dias mesmo que esteja pó no ar, no chapéu de abas milimetricamente centralizado na chapeleira.
Sinto-me sempre uma espalha brasas na presença de pessoas assim. Acho que conspurco o seu espaço, quase como se alguma pulga de mim saltasse para incomodar a arrumação em que vive.
Mas precisamente por isso, tenho azar. Da última vez que me visitou, fê-lo no momento em que eu arrumava a cozinha e separava o lixo. Não havia espaço mais adequado para o receber. Desculpei-me como pude, embora não o devesse fazer, sendo que também neste género de coisa me sinto tão desconfortável que me atropelo constantemente.
Ontem chegámos à rua ao mesmo tempo, ao fim do dia. Enquanto fazia as suas complexas manobras, cumprimentei-o pelo vidro da porta. Debrucei-me para o cumprimentar; mas como sou azarada e não parava quieta com as mãos, a minha chave fez plec na porta do carro. Aquele plec teve para mim o peso de um camião que a esmagava. Apenas via o seu ar preocupado mal disfarçando a apreensão. Ainda não me esqueci que se calhar lhe devo uma pintura nova...

1 comentário:

Anónimo disse...

BOA CRIATIVIDADE. Gostei curto e objetivo.
AJ