raída pelo coração - III (a parte em que de corin tellado passa a novela mexicana)
Chegamos à parte complicada da história. Acicatada pela mãe, G, com nítidos tiques e sinais de pouca saúde, pressionou Sissi dias a fio; as longas conversas que começavam por assuntos inúteis desembocavam invariavelmente nas aptidões inexistentes de Pêpê. Continuavam a ver-se de fugida, apenas refugiados no passeio nocturno do cão, quando os olhares acutilantes dos conhecidos lhe permitiam. Sempre rápido, sempre a fugir. Ele não percebia nada; não lhe fazia sentido o que lhe contava, mas ela não podia contar tudo porque não queria feri-lo. Ninguém podia dizer qual era o verdadeiro centro da discórdia: o tamanho? O ridículo? A ocupação? A falta dela? E ninguém o via com olhos dela, ninguém conseguia compreender a força daquela paixão. Não viam ou não queriam ver?
Sissi não encontrava solução, apenas soluços. Quando optou por eles é que as coisas começaram a estragar-se, porque ela deixou de conseguir responder a tanta pergunta. Tinha que encontrar um caminho e pouco tempo para o fazer; perdê-lo estava fora de questão, fugir com ele idem, por não ter para onde nem como viver de quê. Kiki (nome querido por ter sido posto por um namorado), tentava ajudar a manter o equilíbrio às escondidas e partilhava com Zari o ombro onde Sissi chorava. Um ombro nunca foi suficiente para manter o equilíbrio e o peso aumentava. E cresceu até chegar ao ponto em que Sissi se encontrou sozinha num beco sem saída - era de hoje para amanhã, ela tinha que decidir.
Não conseguiu, achou a sua existência inútil, viu-se um peso no mundo e achou que resolvia o problema com meia dúzia de doses dum remédio que tinha lido em tempos num blogue; ainda lhe restavam umas garrafas de whisky do seu falecido pai... que falecera fazia anos, precisamente, sem tirar nem pôr.
Era meio dia, Sissi não se levantara para levar o cão à rua. A mãe abanou-a sucessivamente sem resultado. Assustou-se, desconfiou que só o rapaz lhe poderia ter feito mal, nem que fosse por artes mágicas, já que não entrara lá em casa. Sim, enquanto for dona da sua vontade, Pêpê não há-de pôr lá o seu pequeno pé. Telefonou à G, alertando-a, e chamem uma ambulância!
E Sissi lá foi, anestesiada para a vida e para a sua tamanha dor, indiferente aos chamamentos da mãe e dos paramédicos. Passou uma noite sob vigilância, que cessou passado um dia. Vinte e quatro longas horas de profunda sonolência para acordar com a voz entaramelada e encontrar o seu mundo como o deixou: a mesma impossibilidade, a mesma angústia, a mesma ausência. Perguntava que dia era, que tempo fazia, o que acontecera que não viu o Prison Break. Onde estava Pêpê.
Os problemas agigantaram-se conforme ia ouvindo melhor a mãe contar a uma amiga o que acontecera; embalada pela conversa, a mãe falava, falava, falava como habitualmente, sem pausar..."não acha?". Foi então que percebeu que o telefone estivera mudo o tempo todo, totalmente falho de energia.
Sissi entristecia e assim foi ficando até se ver em casa, numa tristeza profunda que depressa passou a revolta. Iria continuar a dormir ainda durante muito tempo mas apenas queria saber dele, que lhe dissessem qualquer coisinha que fosse. Kiki ouvia uma, ouvia outra e a outra; era como um ttttúmbalo (tal como lhe disse, passando o dedo sobre os lábios, o brasileiro que lhe serviu o jantar de véspera) em que se pode confiar. Dizem...
Sem comentários:
Enviar um comentário