06 agosto 2013

memórias

Vivo este espaço distanciando-se. Usufruo de todos os momentos, tento transformá-los em memórias. Registo momentos através da fotografia e do vídeo mas há, porém, recordações que não é possível registar fora da minha memória.
O cheiro desta casa sofreu recentemente alterações mas não desvirtualizou o odor das madeiras misturado com tabaco com que cresci.
Não sou capaz e não quero registar os ruído. Afastando-me deste espaço, deixarei de os sentir. Os passos da minha mãe no soalho permitem-me identificar a sua deslocação. Não são os passos dela mas o ranger da madeira. Esse ranger particular do soalho vai desaparecer em breve. Não vou recordá-lo, porque o movimento não se grava.
Adiciono a esta colectânea de sons memorizados os passinhos trôpegos do meu velho caniche. As suas patinhas escorregam no soalho encerado, tec tec tec, obrigando-o a uma esforço sobre-animal para manter em pé. Sei que Lolita vem lá, agitada, porque escavou uns buracos na terra do quintal.
Somos quatro os últimos habitantes desta que foi a nossa casa por quase cinquenta anos. Memórias da minha família, do espaço onde cresci, para onde trouxe amigos, a casa onde toda gente sabia que habitávamos.

Quebrar esta sequência de modo tão abrupto impede-me de pensar muito. O desgaste não está livre de pesar. Recantos, gavetas, móveis, carregados de memórias nas mais diversas formas, guardadas por cada um de nós, que em tempos éramos seis. Cabe-me a tarefa de libertar-nos de muito daquilo que fomos e do que fizemos; do maior peso.
Encontro em cada objecto um pedaço da minha vida, da minha história, do meu passado. Tenho de libertar-me dele e deixá-lo seguir o seu caminho num eco-ponto próximo ou na casa de alguém que o estime.
Objectos que carregam recordações; aproximo-me do meu pai, em quem nunca tão frequentemente tinha pensado. Dos meus fins de tarde passados ao portão aguardando que ele subisse a rua. Das manhãs em que, pela mão me levava ao Jardim-Escola, cumprimentando os vizinhos. Da sua letra desenhada, com que deparo em grande parte dos papéis que acabo de deitar fora. Os seus diplomas, as suas memórias.

De todas as decisões que tenho sido levada a tomar espero não me arrepender em breve. São memórias e essas ficarão comigo para sempre.




1 comentário:

Anónimo disse...

Este texto fez-me chorar tanto Anita...fiquei com o coração apertado por imaginar o que vocês estão a sentir e que tu tão bem descreveste aqui...tudo verdade mas muito triste. Desculpa não te animar...